Não é a nicotina que vicia
Vicia a respiração
instigada pela nicotina
Fumar é meditação
Inspira e expira
cecilia giannetti
Não é a nicotina que vicia
Vicia a respiração
instigada pela nicotina
Fumar é meditação
Inspira e expira
O que aconteceu com sentar-se a meu lado nos bailes
Perto da lareira
Sorvendo vinho, observando
as pessoas que amam, seus enlaces e desenlaces
Eram, para você, apenas palavras?
Desde que você o viu pela primeira vez
em 1996 (e não registro aqui o ano para rimar mas
porque é a verdade): desde que você o viu pela primeira vez,
desde que você o partiu em revezes não superados
Te espero com a taça cheia
ao lado da lareira
Jane, foi mal, mas não é um bom momento
Veja bem, Jane,
para discutirmos a questão do tempo
e espaço
Comi quatro gramas de Psilocybe Cubensis
Comprados num site, hoje em dia isso é tudo muito fácil
E me encontro no meio do mato
Tentando contatar à distância
com a ajuda da Carne dos Deuses
e de um aplicativo de meditação guiada
a consciência do ser que há muito deixei no vácuo
Pois ele me invade os sonhos, cada vez mais feliz por estar ao meu lado
Sei de tudo que nos prometemos, Jane, desde cedo
E nunca deixei de pensar em como nos ajudaríamos
A atar e desatar nossos espartilhos
Mas esses cogumelos que nascem em esterco de gado, Jane,
são Cogumelos Encantados
Podem me colocar, Jane, em contato
Com a consciência do –
Não ouse dizer “do ser amado”!
Você me leu demais
E a culpa é toda minha,
eu sei mesmo escrever
Minha culpa eu ter esperado te atrair
com o vinho e a lareira e os amores observados
Me diga primeiro: ele é mais real do que eu?
Me diga mais:
antes de comê-los,
você lavou bem esses cogumelos?
Hoje fui à cozinha
Livre de trânsito, contei três gatos
É bom uma mulher que dirige
De óculos escuros, ao flanelinha seu trocado
Sorrio e sol, saio às quintas
Amanhã vou ao quarto
À lixeira todo dia
Poso sentada na latrina
Sob o arco de tijolos da sala
Bagatela!
Não se paga aluguel neste balneário
Não há tédio nesta ilha
Nem doenças, nem malas
Em lugar do tapete, 50 quilos de areia branquinha
A imobiliária notifica: fugiu o proprietário
Eis o que Hindelae descobre sobre o Além
Trata-se de uma sala coberta de stills de filmes do ano de 1973
Nada mais
Sua próxima encarnação será a Personagem que atrair sua atenção
Na miríade de fotos não-fatos
Que tornará reais
Eis como Hindelae renasce para a Vida
Em uma fita que avança e rebonina sempre no ano de 1973
Cabelos de onda, peitos de salva-vida
Uma crooner sem sorte a captura para Ser
De praticidade amarga
De canto sem sonho
reencarnada
(a Houart)
Vem-me a cigana de uma cidade só
Varrendo nas saias fumaça de bourbon
Na maré alta de grossos cigars
A língua executa tua travessia
Alardeia e sigila instintos
Adivinha sempre na mesmíssima esquina
Bate estaca como uma santa Benedetta
de boate
Descuidando das próprias plantas
Descartando cebolas moles no quintal
Braços torneados a lápis e crayons
Na água o peso não importa, esvai
Desfazendo de binarismos não bilabiais
Te alcanço na fumaça de nossos cigars
Aonde você foi
Onde você vai
A gente sempre fez planos e se programou e marcou datas e enviou convites como se combinasse com a gente mesmo, lá pra frente: me espera aí que funciona – o encontro do que se deseja com o que se realiza.
Não deveria ser surpresa ver agora que não é bem assim. Mas seguimos abismados.
Hoje consideramos a maior surpresa de nossas vidas e do século, o Evento Mais Imprevisível, que desde quase sempre esteve no rol das coisas que a ciência havia previsto.
it´s been a while e continuaria sendo, ultimamente passaram-se muitos anos mas o objetivo de restringir os textos a um caderno também passou. Em vez de redes sociais onde qualquer um pode nos encontrar a qualquer hora do dia pra cobrar uma opinião firme sobre a crise do oriente médio ou a cura das hemorróidas através da mentalização positiva de uma tela branca em que se lêem os versos de “first we take manhattan” do leonard cohen em letras alaranjadas? Imagine trocar este ouro… Por cadernos.
Numa cama estreita de carne e sonhos, sem dormir. Sair? Mas se ali dentro eu não errava, ali eu tinha todas as qualidades…
23h de alguma noite há 20 anos – a portinhola de aço da lixeira bate contra o trinco no corredor do prédio. Hora do antigo vizinho levar o lixo pra fora. Nunca estipulado em conversa alguma, o horário era respeitado porque se impôs através do comportamento do estranho. Eu sei que ele preferia não cruzar com ninguém no corredor enquanto fazia isso. Deu pra notar quando, na minha primeira semana lá, nos encontramos por acaso em frente à lixeira com sacos de lixo na mão. Ele se escolheu.
Foi na mesma noite em que o ouvi com alguém. Quero dizer, ele mesmo não fazia barulho algum, mas dava pra ouvir uma mulher gritando sem palavras, um som seco que parecia estalar em sua garganta, acompanhado de batidas da cama contra a parede, ritmo perfeito.
Ao me ver no corredor depois da magnífica noite, o homem abaixou a cabeça, atirou as sacolas de lixo pela buraco na parede e apressou passo frito rato pra dentro de seu cubículo.
As paredes de Copacabana, mais finos do que papel, isso o incomodava muito. Ele não gostava de que os outros soubessem quando estava gozando, por isso calava bem a boca nessa hora. Mas não conseguia silenciar as moças nem a cama velha.
A solução encontrada para evitar o constrangimento (dele) de encontrar alguém que acabou de ouvi-las: evitar os vizinhos na lixeira.
No elevador era diferente. Se ouvia alguém bater a porta da máquina no seu andar, se ouvia o elevador se movendo com correntes de 50 anos, ele esperava até não ouvir mais. E aí saía. E nesse momento, se entrasse mais gente de outros andares no elevador, não via problema: descer no elevador com moradores de outros andares era ok pois eles não ouviam o seu namoro.
Era tudo uma lixeira enorme e cavávamos nela investigando os restos uns dos outros. Àquela hora, 23h, ele levava o lixo pra fora e nós sabíamos disso e não íamos lá.
Tal relógio de neurose me dizia que era uma boa hora pra sair e espiar a rua lá embaixo, no escuro, feito rato.
algo de terrível é o vício em ervilhas de wasabi
tabaco álcool perfume
o golpe perfeito
ainda que não o queira, o cheiro de teus antepassados
o hálito
o abrigo
as veias, a violência
o fustigo
nenhuma animosidade espreita no escuro
cheiro de amigo
*
o que é “escolher um bloco”? o wordpress com interface nova, eu não conheço. mas é o formato que mais me agrada agora, em coisas online. quase tentei tinyletter.